É românticos, lamento lhes dizer,
mas nós compramos mais um título da Premier League. Graças ao Sheikh Mansour, o
Manchester City ousou ganhar seu segundo campeonato em três temporadas, algo
impensável há poucos anos atrás. Agora, podem lamentar-se, chorar e dizer que o
Liverpool é o campeão moral, que merecia, entre outras baboseiras. Somos sujos,
mas temos títulos...
Foi uma Premier League louca,
muito disputada, com inúmeras trocas de liderança e uma disputa ferrenha até o
final. Um êxtase de competitividade que deixou todos em extrema adrenalina. Em
um momento o Arsenal, com um bom futebol e campanha inicialmente muito
consistente, pareceu que ia até o final e poderia encerrar sua desgastante fila
sem títulos; depois veio o Chelsea de Mourinho, que graças a seus reforços e
técnico tarimbado parecia o mais preparado para ser campeão nos prognósticos de
pré-temporada; também o Liverpool, que fez uma campanha acima do que seu elenco
prometia, apresentou um ótimo futebol e um ataque avassalador, por boa parte da
temporada parecia morto na briga pelo primeiro lugar, mas de repente despertou
e encantou, esteve bem perto de ganhar após longos 24 anos; Por fim, teve o
United, que... ah, não, o United não...
O Arsenal foi o cavalo paraguaio
habitual dos últimos anos. O Chelsea perdeu jogos bobos e não conseguiu dividir
as disputas na Premier e Champions com eficácia. E o Liverpool junto com o
Gerrard tropeçaram em um clássico contra um adversário reserva, sucumbindo
também a arrogância, a frescura e ao já ganhou. O City começou um campeonato
arrasando e encantando, com um ataque avassalador, poderia levar fácil, mas as
atuações caíram, perdeu clássicos importantes para o Chelsea (em casa) e
Liverpool, então parecia que não ia dar. Aí ganhou um presente e foi com tudo
em busca do sonho, venceu batalhas difíceis e cruciais, sempre acreditando, mas
nunca cantando vitória.
Sim, existiu um dia que foi
crucial para tudo: 27 de abril. Naquele domingo eu entrei com um pensamento
dominante em minha cabeça: “hoje o Liverpool tem 99% de chances de ser campeão”.
Era óbvio, eles tinham grandes chances de sair dali com o título praticamente
assegurado, só não aconteceria com uma improvável combinação de resultados. Os
Reds vinham embaladíssimos, com espírito de campeão e jogariam em casa contra
um Chelsea reserva, totalmente focado na semifinal da Champions. O City, por
outro lado, iria pegar um Crystal Palace casca grossa vindo de cinco vitórias
seguidas em sua casa, um caldeirão em que o time já tinha arrancado pontos de
times com muito mais grife, e estava sem o mago David Silva. Não adiantava,
mesmo que um tropeçasse o outro também o faria, e tudo ficaria na mesma...
Mas aí Mourinho estacionou um
ônibus a frente do seu gol, que não deixou passar nada. Gerrard escorregou,
eles partiram para o desespero e tomaram mais um, o primeiro passo estava
feito. Me animei um pouco: “nós ganhamos um presente, não podemos desperdiçá-lo
de nenhuma forma, nem que seja meio a zero!”. Naquele dia Yaya Touré, o melhor
meio campo do mundo, que só não é reconhecido pela FIFA por ter menos grife que
Xavi e Iniesta, decidiu mais uma vez para o time: o gigante acordava para não
dar chance a ninguém mais.
Em seguida, com muita catimba e cojones, conseguimos superar uma partida
duríssima contra o Everton, em que o mundo jogava contra nós. Parecia então
certo que a última rodada seria um nervoso deja
vu de 2011/12. Dois times empatados em pontos que decidiriam no saldo,
novamente com os Sky Blues em vantagem no quesito. Será que viria um novo
sofrimento épico? Mas aí, o time vermelho tratou de facilitar mais uma vez, não
conseguindo o que tínhamos feito: em um jogo louco onde fizeram 3 x 0 e deu até
medo de conseguirem tirar a diferença do saldo, tomaram o empate da guerreira
equipe de Tony Pullis. Dois dias depois superamos o trauma dos jogos atrasados
(anteriormente havíamos quase perdido para o Sunderland, tirando o título das
nossas mãos) goleando o Aston Villa numa partida que foi mais difícil do que o
placar indicou.
Então, chegamos neste domingo.
Objetivamente, a diferença para 2011/12 é que dependíamos apenas de um empate,
há não ser que o Liverpool aplicasse uma goleada totalmente irreal no
Newcastle, e não mais da vitória, mas subjetivamente a situação era 100%
diferente. Há dois anos atrás mais ou menos todo mundo (excetuando os diabos)
torcia, mesmo que muito dentro de si, por nosso título. Naquela época nosso
dinheiro era bom, ajudaria a quebrar uma seqüência do United, colocaria mais
competitividade a competição, etc. ali éramos nós que tínhamos uma fila
desgraçada contra, éramos os patinhos feios, os chacoteados. Para agora o clima
mudou 360 graus, viramos os vilões do mundo, a morte do futebol, o fruto da
lavagem de dinheiro ou de um dono que quer apenas divertir-se. Nosso título era
vitória do mal, resumindo tudo.
O Liverpool, por outro lado,
angariou a torcida de meio mundo. Nem os inteligentes jornalistas, muitas vezes
tão batalhadores pela imparcialidade, conseguiram esconder a preferência, e as
transmissões de jogos transformaram-se em um inferno de chatice e romantismo,
foi muito duro agüentar as rodadas finais. Os Reds viraram, de uma hora para
outra, time diferenciado, parecia que não tinham dono ou montaram o seu time
por meio de escambo, sem gastar dinheiro nenhum. A torcida era o símbolo do
sofrimento e a melhor do mundo, e Gerrard, bem, quase um santo...
Eu nunca odiei a equipe
adversária, me solidarizo com o sofrimento dos torcedores, não ignoro sua
grandeza e entendi a maioria dos argumentos de quem torceu por eles. Mas,
diante desta aura de santificação forçada, e principalmente de vilanização do
City, com uma torcida otimista demais diante de tão profunda fila, onde muitos
ressuscitaram das tumbas para, sem sentido, se acharem nas redes sociais, e um
técnico boca solta, este título virou praticamente uma questão de honra.
Precisávamos quebrar esta corrente, se o Liverpool vencesse seria capaz de
aparecerem veadinhos saltitantes e beija-flores em Anfield, tamanho clima de
conto-de-fadas criado, e a televisão tornar-se-ia insuportável.
Se ser um citizen já implica em
pessimismo, diante de tão profundo nevoeiro negativo em nossa direção, não
tinha como esconder o medo de que alguma série improvável de acontecimentos
místicos dessem ao Liverpool a vitória épica que precisavam para se confirmarem
como diferentes. Só tive plena certeza quando o relógio bateu 92 minutos de
jogo (sério), porque aí eu sabia que os Hammers não fariam três gols em dois
minutos, era fisicamente impossível... O jogo contra o West Ham passou longe da
dramaticidade de dois anos atrás, mas nem por isso, e para não contrariar a
história e o Typical City não foi algo fácil demais, não veio à goleada que
muitos poderiam pensar.
O City foi campeão com menos dias
na liderança que Arsenal, Chelsea e Liverpool (muito por culpa dos malditos
jogos atrasados que não nos largavam), mas no dia que interessava, 11 de maio
de 2014, estávamos lá. Os Reds tiveram azar, pois o confronto era com uma
equipe em que a mística de sofrimento e superação das adversidades era muito
maior que a deles, por mais que muitos esqueçam. Que eles esperem mais 1 ano,
ou 20. Nós esperamos 44, porque eles não podem?
Júnior Martins
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