Há um ano um gol representou toda
uma mudança de mentalidade, representou o sucesso e afirmação de um projeto que
gera desconfiança e raiva nos rivais desde começo, representou 44 anos,
representou o fim das chacotas, representou a alegria sincera, representou a
descoberta de novas paixões e o orgulho das antigas, representou o que de
melhor há no futebol, representou o direito de sonhar. Representou um clube e
sua história.
Lembrar daquela partida é na
verdade lembrar de toda uma temporada, o quão longa e tortuosa ela foi, cheia
de altos e baixos, de quedas e entusiasmo, de shows e decepções, de polêmicas e
felicidade.
Tivermos que passar por quase
tudo até chegar ali, mais coisas do que normalmente uma equipe passaria, mas aí
lembramos que torcemos para o City, e quem torce para este time sabe que
absolutamente nada é fácil, está cravado na nossa história que tudo tem de vir
com muito suor e esforço sobre-humano.
A temporada vinha com a
expectativa de dar um passo a frente na Premier, ou seja, lutar efetivamente
pelo título, e estrear na Champions League. O principal nome contratado para se
juntar ao time de estrelas e ajudar nesta tarefa foi Sergio Agüero.
Os primeiros meses revelaram o
antagonismo: a equipe tinindo e com Agüero superando qualquer dificuldade de
adaptação que pudesse ter, arrasava na Premier e já abria boa vantagem na
liderança, já na Champions a situação era bem diferente, o City sentia o peso
da estréia, com as dificuldades que fazem daquela competição única, tendo como
agravamento o fato que pegou o grupo da morte, um azar tremendo. Não passou por
pouco, por um empate, mas, fora isto, tudo ia de vento em polpa.
O auge veio no dia 23 de outubro:
a equipe, que já havia enfiado cinco no Tottenham em pleno White Hart Lane, não
teve dó nem piedade e humilhou certos diabos em pleno Inferninho Stadium. Eles
saíram com o rabinho entre as pernas e seis nas costas, um derby histórico para
jamais ser esquecido.
E o City demorou para perder no
campeonato nacional, a primeira derrota só veio em dezembro, contra o Chelsea.
Em meio há este semestre perfeito, Tevez tratou de manchar um pouco as coisas,
o eterno ídolo problema resolveu não estar na melhor forma para ajudar o time
nos primeiros meses, e, para piorar, se recusou a entrar em campo no jogo
decisivo contra o Bayern na Allianz Arena.
Resultado: foi afastado do
elenco, multado, e resolveu tirar férias na Argentina, nesse meio negociou a
própria saída para o Milan, o City não aceitou. Passada a janela de
transferências e sem solução da sua situação, teve que voltar, com Mancini
tendo de dar o braço a torcer no momento mais crítico da temporada, fazendo
dele contribuinte para o título também. Todo o estardalhaço terminou em paz.
A partir de janeiro o ritmo
diminuiu, também fomos prejudicados por suspensões e a ida do motor do time,
Yaya Toure, para a Copa Africana de Nações. O time perdeu um pouco o foco, algo
normal em grandes competições, primeiro a gordura foi queimada, e depois de uma
derrota para o Swansea, já em março, acabamos ultrapassados. Ainda em janeiro
uma grande derrota que colocou bastante moral no time: estreamos na FA Cup logo
com um derby, com vistas a defender o título, logo no começo aconteceu o
normal, fomos garfados com uma expulsão completamente injusta de Kompany, o que
derrubou completamente o time, o United nos dominou, terminou a primeira etapa
enfiando três, dava a impressão e o medo que vingariam o 1-6. Mas não, na
segunda etapa a equipe foi guerreira, marcou dois gols e por pouco não levou o
jogo para o replay. Saímos como vencedores, e a impressão geral é que não
deixaríamos escapar a Premier por nada.
Infelizmente, a curto prazo esta
visão não se confirmou, o desempenho continuou caindo, o principal golpe veio
em oito de abril, inacreditavelmente a situação de tranqüilidade, outrora do
nosso lado, se inverteu. Depois de uma derrota para o Arsenal por 1-0 ficamos
oito pontos atrás dos devils, com apenas seis rodadas para o fim. O time ficou
desacreditado, já não parecia haver mais chances para o título, e as copas
também já tinham ido todas. Em uma temporada que começara tão promissora
restava-nos jogar pela dignidade. Os mais exaltados já gritavam “fora Mancini!”
em meio à decepção.
Então, tão de repente como
desapareceu, o bom futebol voltou, e, ajudados por perdas de pontos dos
arqui-rivais, o City conseguiu heroicamente voltar à briga. A última chance de
concretizar o sonho seria o derby da 36º rodada, uma final antecipada, um
clássico único em dimensões e importância. Estávamos três pontos atrás, tínhamos
que vencer para assumir a liderança no saldo de gols. Então, por ironia do
destino, Kompany, que na partida da FA Cup já mencionada foi expulso e suspenso
por quatro jogos de forma completamente injusta, prejudicando a equipe, marcou
o gol crucial que deixou o City novamente favorito.
Na penúltima rodada Yaya nos deu
a vitória contra o Newcastle por 2-0, enquanto os diabos venceram o Swansea
pelo mesmo placar, e tudo ficou para o último capítulo. Precisávamos vencer
para dependermos de nós mesmos, enquanto eles tinham de torcer pelo menos pelo
empate, e vencer seu jogo, eles teriam um difícil duelo contra o Sunderland no
Stadium of Light.
O City teria, teoricamente, um
duelo mais fácil: o QPR que lutava contra o rebaixamento, treinado logo por
Mark Hughes, louco para se vingar do clube e ver a desgraça de Mancini, com o
adendo de ajudar seu ex-treinador Ferguson.
Me lembro como hoje daquele
domingo, treze de maio, a tensão pré-jogo e o esperado começo. Sabia que não
iria ser fácil, o time obviamente estava nervoso, tinha pressão de 44 anos nas
costas, e, embora já tivesse um título conquistado para amenizar um pouco a
situação, ali era diferente. Sorte que antes do intervalo o placar saiu do
zero, Zabaleta, com grande contribuição do goleiro Kenny, nos que deu mais
tranqüilidade, ou pelo menos era o que esperávamos. O gol foi crucial, pois em
Sunderland Rooney abriu o placar logo aos 20 minutos, algo que se manteria até
o final da partida. O ruim é que antes do intervalo perdemos o sempre candidato
a herói Yaya Toure machucado, mas isto não parecia atrapalhar nossa glória, não
parecia...
Como sabemos, o futebol não é
justo, e na segunda etapa o inferno finalmente se mudou de Salford para
Manchester, como os outros sempre desejaram, e a tragédia improvável começara a
acontecer. Dois gols do QPR, o desespero, tudo ia por água abaixo: o gol de
Kompany duas rodadas antes, a goleada em Old Trafford, os gols de Aguero, a
reação na FA Cup. Tudo isto terminaria não valendo quase nada.
A descrença no que estava vendo
me dominava, me impedia até de ficar um mísero segundo no mesmo lugar. Minha
cadeira era o chão frio, que só não esfriava a raiva que subia em minha cabeça.
Eu nem sei o que seria de mim se aquele resultado fosse mantido, e tudo se
consumasse. Claro que torcedor do City não deixaria de ser, mas certamente a
decepção perduraria por semanas e terminaria em aparecer esporadicamente por
muito tempo, quem sabe até hoje. Como esquecer?
Os acréscimos chegaram, e o gol
de Dzeko também, que fez aparecer um pouco da tal esperança, mas apenas
timidamente, consegui até me levantar para tentar mandar um força invisível,
tipo Genki Dama, para fazer a virada acontecer. Até que aos 49 o grande momento
ocorreu, ao qual não vou descrever porque todos já sabem de cor e coro.
Claro que no momento eu gostaria
que fosse mais fácil, com menos emoções para me destruir e que não me fizesse
gritar tanto, o que deixou com rótulo de louco na minha rua, que perdura até
hoje. Queria que tudo fosse conforme o roteiro, vitória tranqüila, alegria pelo
título, etc. Mas, um ano depois e olhando para trás, vejo o quanto foi bom ser
daquela forma, ainda mais para quem acompanhou a epopéia que foi resumida aqui
desde o começo.
Ganhar com vários pontos e
algumas rodadas de antecedência, como imaginávamos no começo, pelo ritmo
alucinante de trator sem freio que estava à equipe, e como o mesmo United fez
agora é bom, muito bom. Mas nós mais que ganhamos, fizemos história, algo para
emanar orgulho e ser passado para as próximas gerações, vimos algo que não
aconteceu todo dia, nem em dez anos ou vinte, talvez nunca da mesma forma, para
ser lembrado para todo o sempre, principalmente quando os trezes de maio
chegarem a nossa porta. Afinal, como esquecer?
Júnior Martins
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